2021/03/01

Viva esperança...

"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos." 1Pe 1.3

Dentre as diversas palavras enfatizadas nos escritos bíblicos, a palavra esperança possui significado e importância tal para a vida cristã que não pode ser avaliada.

Sua relevância está no fato de fazer a diferença na forma como enfrentamos as diversas situações da vida cotidiana, visto que a viva esperança tranquiliza o coração ansioso.

O conceito de esperança vai sendo ampliado quando se analisa seu valor, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.

No prisma veterotestamentário, a esperança está extremamente ligada à confiança e, com base nesta confiança, Israel podia dizer: "Senhor, tu és minha esperança".

Israel confiava em Deus, portanto, tinha esperança, crendo na sua fidelidade para com a aliança, pois, quando não se tem confiança, não há esperança.

A confiança leva os israelitas a esperarem pelo nome de Adonai, pela salvação, pelo perdão, pelas conquistas, enfim, leva o povo a esperar por uma ação divina e a base dessa espera está no pacto.

Portanto, para Israel, Deus não era apenas o objeto de sua esperança, mas também a realização e a própria segurança e garantia de que aquilo que se espera se concretizará, visto que Deus é fiel e zela pela sua palavra.

No prisma neotestamentário, a esperança tem um significado mais abrangente, sendo uma parte intrínseca para a vida cristã, junto com a fé.

A esperança está interligada à fé, sendo que a ausência de um compromete a eficácia do outro. Não há esperança sem fé e, da mesma forma, a fé sem esperança se torna frívola e vazia.

A esperança não é de caráter egocêntrico, pois está centralizada em Cristo, sendo uma expectativa confiante e segura das promessas salvíficas.

A grandeza das promessas de Deus motiva o cristão a manter viva sua esperança e suas expectativas, e se manifesta em uma caminhada perseverante e confiante, rumo às promessas de Deus.

No entanto, querido irmãos a vida não é fácil pra ninguém, inclusive para nós cristãos. Pode ser frustrante ser um cristão.

Alegamos conhecer o segredo do universo e o conhecemos pessoalmente. Jesus é o centro da história, o Caminho, a Verdade e a Vida, aquele em quem tudo, tudo, se ordena.

As nossas boas novas são boas novas sobre tudo e para todos, o tipo de notícia que todo mundo precisa saber se é para evitar o desastre total.

Grandes números de pessoas não ouvem.

Não importa quão atrativo tornamos a fé cristã.

Não importa que expliquemos que as boas novas seguem o fluxo do desígnio do mundo.

Para muitos, isso viola completamente o senso comum. Eles não pensam que essas boas novas são plausíveis. Quando falamos das boas novas, eles não reconhecem e não podem reconhecer como boas novas.

A frustração provavelmente tem sido uma tentação perene, mas ela é especialmente intensa hoje.

 Argumentamos que o aborto é um ataque contra os mais vulneráveis, que ele constitui uma guerra contra uma das glórias da mulher: a capacidade de conceber, dar à luz e nutrir um novo ser humano.

 Insistimos que o casamento foi feito para ser uma união-em-diferença que prefigura o destino último do cosmos.

Argumentamos que as biotecnologias contemporâneas mecanizam e comercializam seres humanos. Poucos ouvem. Poucos consideram os nossos argumentos relevantes, muito menos persuasivos.

Os cristãos reclamam sobre caricaturas midiáticas, mas não tem conspiração midiática aqui. Quando resistimos ao aborto ou insistimos que um casamento precisa ser entre um homem e mulher, tudo que eles ouvem é o preconceito retrógrado de puritanos intrometidos.

Muitos perceberão uma alusão ao que os sociólogos do conhecimento chamam de "estruturas de plausibilidade". Estruturas de plausibilidade são arranjos sociais que fornecem apoio para crenças num contexto de relatividade moral e epistemológica.

Neste contexto os hereges somos nós porque, nas condições da modernidade, nenhum de nós endossa inquestionavelmente um estilo de vida que essa sociedade impõe a nós. Todos escolhemos o jeito que vivemos e o fazemos completamente conscientes das outras escolhas que poderíamos ter feito.

Isso é altamente desorientador para a "Estrutura de plausibilidade", porque para ela o contexto social e cultura nos moldam, e devemos agir uniformizados/padronizados como todos.

 Se todo mundo que eu conheço é por exemplo violento, ser violento parecerá tão natural. E qualquer outro que haja sem violência é um herege.

Quando as instituições da mídia, da educação, do direito, da ciência social e assim por diante, todas nos dizem que o casamento não é nada mais do que uma parceria erótica temporária, que fetos são aglomerados de tecido que uma mulher tem o direito de remover do seu corpo, que desejos e atos homossexuais são moralmente indiferentes, há uma pressão para acreditar nisso.

Como você pode argumentar contra a ciência? Qualquer um que desacredite vai ficar de fora.

Qualquer um com uma mensagem diferente será taxado como insustentavelmente arrogante.

A frustração é uma resposta inteligível, mas é uma postura pública ineficaz e perigosa. Pode levar ao isolamento. Entrega uma dose de amargura à nossa retórica pública. Pode explodir em violência.

Precisamos de um antídoto para a frustração que vai habilitar uma postura pública infundida com as virtudes teológicas de fé, esperança e amor.

Como podemos cultivar isso? Bem, uma das maneiras pelas quais aprendemos as virtudes é por meio de exemplares. Eu sugiro que há lições a serem aprendidas a partir das Escrituras exatamente neste ponto.

Por que o cristianismo não é "conservador"

No começo da sua história, faltava a Israel tudo que tornava uma nação antiga uma nação. Não tinha rei, nem templo, nem sacerdócio, nem terra, nem, praticamente, um povo.

Os patriarcas iam de um lugar para o outro, colocando uma cidade-tenda temporária aqui e ali, construindo um altar onde quer que eles parassem.

Yahweh tinha chamado Abrão de Ur e lhe prometido, como diz Paulo, o mundo. Contudo, Abraão morreu sem ver o cumprimento de qualquer uma dessas promessas. Eventualmente, as promessas foram cumpridas e elas ainda estão sendo cumpridas.

A descendência de Abraão ainda está se multiplicando como areia e estrelas, abençoando nações, herdando a terra. Para Abraão, todavia, era uma questão de fé; ele viu somente a forma indistinta de uma cidade num horizonte distante.

No êxodo, o mundo de Israel mudou. Moisés desceu do Sinai com instruções para um novo estilo de vida e de culto.

Abrão não tinha de se preocupar com regulações de pureza; Sara não ficou impura depois do parto; Jacó não foi excluído da presença de Deus por causa da emissão noturna. Abrão podia estabelecer um altar onde quer que ele quisesse e ele não tinha de depender de uma casta de especialistas sacrificiais para se aproximar de Deus. Ele era o seu próprio sacerdote.

 Depois de Sinai, ficou tudo diferente. Israel tinha de obedecer regras de pureza e evitar a imundícia. Nem todo mundo podia se aproximar ou tocar num altar, mas somente alguns seletos, os descendentes de Arão, que eram os únicos designados como sacerdotes.

Alguns não gostaram das inovações. A rebelião de Corá era uma reação "conservadora" contra Moisés. Corá insistia que todo israelita era um sacerdote, plenamente qualificado para se aproximar do altar. Julgado estritamente pela tradição, ele estava completamente correto: ele estava do lado da religião patriarcal dos tempos antigos.

O templo de Salomão era outra inovação, centralizando o sacrifício num único. Em contrapartida, os lugares altos de Israel eram centros da religião "mais conservadora". Muitos lugares altos tinham sido lugares de culto muito mais do Monte Moriá. A tradição de culto nos lugares altos era forte e bem estabelecida. Israel tinha sempre adorado em cada colina e debaixo de cada árvore frondosa.

Como Moisés e Salomão, Jesus foi um revolucionário, assim como Paulo. A vinda do Reino trouxe uma mudança radical ao sacerdócio e ao culto.

As regras de pureza e os antigos tons e gradações de santidade subitamente se tornaram obsoletos.

Saduceus, fariseus e judaizantes posteriores eram os conservadores da sagrada tradição. Não é à toa que eles atacaram Jesus e os apóstolos com tanta veemência. Jesus abalou os fundamentos da vida judaica e ameaçou o futuro de Israel.

Sim, o cristianismo não é uma religião conservadora...

A partir dessa explicação parcial e altamente seletiva, podemos extrair algumas lições. A lição número um é sobre a fé.

 Abraão organizou a sua vida toda em torno das promessas de Deus que ele não viveu para ver.

Ele colocou mais confiança na promessa de Deus do que na sua própria observação. É isso o que significa viver pela fé.

 A fé é humilde, mas ela pode parecer absurdamente soberba. Se era para crer nas promessas de Yahweh, Abrão, um sheik rico, mas não tão poderoso, perambulando pela Caldeia e pelo Egito, carregava o destino da raça humana na sua mochila. 

Egito lutava as suas guerras, Babilônia construía as suas torres, mas os eventos de importância duradoura estavam acontecendo num cantinho: no pesadelo aterrorizante de um idoso, a sua esperança de um herdeiro, o dia que ele cortou os prepúcios de todos os homens da sua casa, uma visita de três homens na tenda de Abraão, o nascimento e quase-sacrifício de um filho.

Pela fé, nós devemos também organizar as nossas vidas ao redor do que Deus prometeu. Precisamos entender e confiar que todas as coisas que tem acontecido no mundo não foge do poder de controle do nosso Deus. Jesus é da descendência de Abraão e é o filho de Davi, que recebeu as nações como sua herança para governar.

Precisamos alinhar nossas vidas à vontade de Jesus, planeja-las buscando sua orientação e anuência, confiando em suas promessas deixadas para cada um de nós.

A lição número 2 é sobre esperança. A fé de Abraão era "esperar contra a esperança" (Romanos 4.18).

Sara era infértil; Deus disse que Sara teria um filho; crendo em Deus, Abraão esperava por um filho. Abraão não tinha uma terra; Deus lhe prometeu o mundo; crendo em Deus, ele esperava herdar o que lhe foi prometido.

Abraão, contra toda esperança, em esperança creu, tornando-se assim pai de muitas nações, como foi dito a seu respeito: "Assim será a sua descendência".

Sem se enfraquecer na fé, reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vitalidade.

Mesmo assim não duvidou nem foi incrédulo em relação à promessa de Deus, mas foi fortalecido em sua fé e deu glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido. Romanos 4:18-21

Deus criou tudo do nada. Como Senhor, Ele pode e vai refazer o mundo. Deus está em constante movimento e a esperança está firmada num Deus ativo que faz constantes mudança no mundo e em nossas vidas.

 No fundo, os conservadores da Bíblia — Corá, os sacerdotes dos lugares altos, os sacerdotes saduceus — negavam que Deus é o criador. Eles não acreditavam que o Deus que fez o mundo continuava ativo nele.

Os conservadores não podem ter esperança; eles não querem ter esperança. Eles querem que o mundo continue num estado inerte para sempre.

A esperança olha para um Senhor vivo, um Deus ativo que trabalha e retrabalha, que faz o vaso, o quebra e então o faz de novo.

A esperança é anti-frustração porque a esperança nos dá confiança de que o mundo não vai continuar como ele é agora para sempre.

No presente, o evangelho e o caminho da vida implica sons que parecem como o bronze que soa e um címbalo que retine. Os olhos e ouvidos de muitos estão fechados. Mas servimos a um Deus que cura os cegos e abre ouvidos com um toque.

Hoje, as estruturas de plausibilidade neutralizam a nossa mensagem, mas o Deus vivo arrebenta plausibilidades para erguer novas plausibilidades.

Em esperança fiel, sabemos que algo mais do que a história está do nosso lado. Não precisamos nos apressar; não precisamos nos enfurecer; podemos controlar a nossa aspereza.

 Podemos falar com generosidade gentil até com os nossos inimigos; podemos mortificar o nosso instinto de se deixar provocar pela oposição e fracasso.

Assim, chegamos na lição número 3: esperança e fé, podemos falar e agir em amor.

Nos escritos petrinos, em particular, a esperança tem um papel fundamental à luz do contexto de seus leitores, que enfrentaram pressões externas e internas que eram verdadeiras ameaças para a práxis cristã.

De um lado, as perseguições e, de outro, os falsos mestres que atormentavam a igreja; neste contexto, Pedro enfatiza uma vida cristã baseada na fé e na esperança, a fim de capacitar os crentes a enfrentarem o sofrimento e as perseguições.

Diante disso, conclui-se que a viva esperança é uma espera responsável e não implica em inatividade, pelo contrário, é uma espera que impulsiona, que tira da inércia e que motiva.

 A esperança revela o grau da confiança que se tem em Deus, como também as expectativas dEle, pois não basta se dizer que tem esperança, tem de haver atitudes que provam que realmente há uma viva esperança.

Aquele que tem uma viva esperança não permite que suas convicções cristãs sejam abaladas pelas circunstâncias da vida presente. Portanto, não deixe sua esperança morrer.

 

https://youtu.be/n0qEJl1mTO4

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