2015/10/26

Série – “Vivendo mais perto de Deus” (4)

A DISCIPLINA DO JEJUM

Mas virão dias quando o noivo lhes será tirado; naqueles dias jejuarão". Lc 5.35

"Algumas pessoas têm exaltado o jejum religioso elevando-o além das Escrituras e da razão; e outras o têm menosprezado por completo." - João Wesley

Em uma cultura onde a paisagem está pontilhada de restaurantes de todos os tipos, o jejum parece fora de lugar, fora de passo com os tempos modernos. Com efeito, o jejum tem estado em geral descrédito, tanto dentro como fora da igreja, por muitos anos. Por exemplo, Richard Foster fez uma pesquisa não conseguiu encontrar um único livro publicado sobre o jejum, de 1861 a 1954, um período de quase cem anos. Que é que explicaria este quase total menosprezo por um assunto mencionado com tanta frequência nas Escrituras e tão ardorosamente praticado pelos cristãos através dos séculos?

Duas coisas. Em primeiro lugar, o jejum, foi excessivamente praticado pelos ascéticos da Idade Média, adquiriu uma péssima reputação. O ascetismo ou asceticismo é uma filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, onde se propõem a austeridade.(severidade de costumes). Muitos ascéticos acreditam que a purificação do corpo ajuda a purificação da alma, e de fato a obter a compreensão de uma divindade ou encontrar a paz interior.

O cristianismo tem como base para suas doutrinas a Bíblia Sagrada, no Novo Testamento escrito pelos apóstolos e discípulos de Jesus não há nenhuma aprovação ao ascetismo:

 "Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne." Colossenses 2 : 20-23

Contrariando a ideia de que o sofrimento carnal traz paz espiritual, o apóstolo Paulo afirma que tais práticas não produzem real proveito espiritual, mas somente uma breve satisfação pessoal. Então por conta disso muitos cristãos deixaram de jejuar para não serem confundidos como ascéticos.

 O segundo motivo por que o jejum passou por tempos difíceis no século passado, está aliado à crença popular de que é uma virtude positiva satisfazer a todo apetite humano, fez que o jejum parecesse obsoleto. Quem quer que seriamente tente jejuar é bombardeado com objeções. "Entendo que o jejum é prejudicial à saúde." "Ele minará as suas forças e assim você não poderá trabalhar." "Não destruirá ele o tecido saudável do corpo?" Tudo isto, naturalmente, é rematada tolice baseada no preconceito.

O Jejum na Bíblia

Nas Escrituras o jejum refere-se à abstenção de alimento para finalidades espirituais. Ele se distingue da greve de fome, cujo propósito é adquirir poder político ou atrair a atenção para uma boa causa. Distingue-se, também, da dieta de saúde, que acentua a abstinência de alimento, mas para propósitos físicos e não espirituais. Devido à secularização da sociedade moderna, o "jejum" (se de algum modo praticado) é motivado ou por vaidade ou pelo desejo de poder. O jejum bíblico sempre se concentra em finalidades espirituais. Na Bíblia, os meios normais de jejuar envolviam abstinência de qualquer alimento, sólido ou líquido, excetuando-se a água.

Tipos de Jejum:

Jejum parcial: Às vezes se descreve o que poderia ser considerado jejum parcial; isto é, há restrição e dieta mas não abstenção total. No jejum de quarenta dias de Jesus, diz o evangelista que ele "nada comeu" e ao fim desses quarenta dias "teve fome", e Satanás o tentou a comer, indicando que a abstenção era de alimento e não de água (Lucas 4.2ss).

Jejum absoluto ou total: Há, também, diversos exemplos bíblicos do que se tem chamado acertadamente "jejum absoluto", ou abstenção tanto de alimento como de água. Parece ser uma medida desesperada para atender a uma emergência extrema. Após saber que a execução aguardava a ela e ao seu povo, Ester instruiu a Mordecai: "Vai, ajunta a todos os judeus... e jejuai por mim, e não comais nem bebais por três dias, nem de noite nem de dia; eu e as minhas servas também jejuaremos" (Ester 4.16). Paulo fez um jejum absoluto de três dias após seu encontro com o Cristo vivo (Atos 9.9).  E esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu.

Jejum absoluto sobrenatural: Considerando-se que o corpo humano não pode passar sem água muito mais do que três dias, tanto Moisés como Elias empenharam-se no que deve considerar-se jejuns absolutos sobrenaturais de quarenta dias.

Quando subi o monte para receber as tábuas de pedra, as tábuas da aliança que o Senhor tinha feito com vocês, fiquei no monte quarenta dias e quarenta noites; não comi pão, nem bebi água.  (Deuteronômio 9.9)

Então ele se levantou, comeu e bebeu. Fortalecido com aquela comida, viajou quarenta dias e quarenta noites, até chegar a Horebe, o monte de Deus. (1 Reis 19.8).

É preciso sublinhar que o jejum absoluto sobrenatural é a exceção e nunca deveria ser praticado, a menos que a pessoa tenha uma ordem muita clara de Deus.

Jejum Público: O único jejum público anual exigido pela lei mosaica era realizado no dia da expiação (Levítico 23.27). Era o dia do calendário judaico em que o povo tinha o dever de estar triste e aflito como expiação por seus pecados.

Os jejuns Públicos eram convocados, também, em tempos de emergência de grupo ou nacional:

·         "Tocai a trombeta em Sião, promulgai um santo jejum, proclamai uma assembléia solene" (Joel 2.15).

·         Quando o reino de Judá foi invadido, o rei Josafá convocou a nação para jejuar (2 Crônicas 20.1-4).

·         Em resposta à pregação de Jonas, toda a cidade de Nínive jejuou, inclusive os animais - involuntariamente, sem dúvida.

·         Antes do retorno a Jerusalém, Esdras fez os exilados jejuar e orar por segurança na estrada infestada de salteadores (Esdras 8.21-23).

Em 1756 o rei da Inglaterra convocou um dia de solene oração e jejum por causa de uma ameaça de invasão por parte dos franceses. João Wesley registrou este fato em seu Diário, no dia 6 de fevereiro:

"O dia de jejum foi um dia glorioso, tal como Londres raramente tem visto desde a Restauração. Cada igreja da cidade estava mais do que lotada, e uma solene gravidade estampava-se em cada rosto. Certamente Deus ouve a oração, e haverá um alongamento de nossa tranquilidade."

Em uma nota ao pé da página ele escreveu: "A humildade transformou-se em regozijo nacional porque a ameaça de invasão dos franceses foi impedida."

É o Jejum um Mandamento?

Um problema que compreensivelmente preocupa muitas pessoas é saber se a Bíblia torna o jejum obrigatório ou não a todos os cristãos. Numerosas tentativas têm sido feitas para responder a esta questão, resultando numa variedade de conclusões. Mas olhando para o texto de Mt 6.16-18  vemos Jesus declarar:

E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, Para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. Mateus 6:16-18

Neste texto Ele não parecia admirado que as pessoas jejuassem, na verdade ele apenas instrui o povo sobre como fazê-lo adequadamente. Martinho Lutero disse: "Não foi intenção de Cristo rejeitar ou desprezar o jejum... sua intenção foi restaurar o jejum adequado." Dito isto, entretanto, devemos admitir que as palavras de Jesus não constituem uma ordem. Jesus estava dando instruções sobre o exercício apropriado de uma prática comum no seu tempo. Ele não pronunciou uma só palavra sobre se era uma prática certa ou se deveria ser continuada. Jesus, portanto, não disse "Se jejuardes", nem disse "Deveis jejuar". Ele disse quando jejuardes dando a entender que era uma pratica normal, comum a todos. Ele deixou claro que esperava que seus discípulos jejuassem depois de sua partida.  Ele falou isso quando foi questionado pelos fariseus do o porque de seus discípulos não jejuarem. Mas virão dias quando o noivo lhes será tirado; naqueles dias jejuarão". Lc 6.35

Embora as palavras não sejam proferidas na forma de uma ordem, fica evidente desta passagem que Cristo tanto apoiou a Disciplina do jejum como previu que seus seguidores o praticariam. Então não é uma mandamento, mas é algo que Deus quer que você pratique.

Objetivo do Jejum

É sensato reconhecer que a primeira declaração que Jesus fez acerca do jejum tratou da questão de motivos (Mateus 6.16-18). E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; não faça para mostrar pros outros.. Usar boas coisas para nossos próprios fins é sempre sinal de falsa religião. Os fariseus buscavam sua própria glória quando jejuavam e se mostravam para os outros. Eles queriam reconhecimento como espirituais. O objetivo do jejum não é reconhecimento. O objetivo do jejum também não é uma barganha com Deus. "Eu faço isso e você me der aquilo" essa tem sido a tônica de muitos praticarem o jejum. Quão fácil é tomar algo como o jejum e tentar usá-lo para conseguir que Deus faça o que desejemos. O objetivo do jejum também não é de tentar controlar a Deus. De fato existe um poder sobrenatural na pratica do jejum e quem o pratica se beneficia desse poder e por conta disso muitos são tentados a crer que com um pequeno jejum poderíamos ter o mundo, inclusive Deus, comendo de nossas mãos. O jejum deve sempre concentrar-se em Deus. O FOCO É DEUS. É somente para ele que Jejuamos. Todo e qualquer outro propósito deve estar a serviço de Deus.

Deus interrogou o povo do tempo de Zacarias: "Quando jejuastes... acaso foi para mim que jejuastes, realmente para mim?" (Zacarias 7.5). Se nosso jejum não é para Deus, então fracassamos ao praticá-lo.

Benefícios físicos, êxito na oração, dotação de poder, discernimentos espirituais - estas coisas nunca devem tomar o lugar de Deus como centro de nosso jejum. Elas são consequencias, resultados dessa pratica apenas.

João Wesley declarou: "Primeiro, seja o jejum feito para o Senhor com nosso olhar fixado unicamente nele. Que nossa intenção aí seja esta, e esta somente, de glorificar a nosso Pai que está no céu..." Esse é o único modo de sermos salvos de amar mais a bênção do que Aquele que abençoa. Uma vez que o propósito básico esteja firmemente fixo em nossos corações, estamos livres para entender que há, também, propósitos secundários em jejuar. Mais do que qualquer outra Disciplina, o jejum revela as coisas que nos controlam. Este é um maravilhoso benefício para o verdadeiro discípulo que anseia ser transformado à imagem de Jesus Cristo. Cobrimos com alimento e com outras coisas boas aquilo que está dentro de nós, mas no jejum estas coisas vêm à tona. Se o orgulho nos controla, ele será revelado quase imediatamente.  Ira, amargura, ciúme, discórdia, medo - se estiverem dentro de nós, aflorarão durante o jejum. O jejum é uma ferramenta poderosa para mostrar como estamos por dentro. O jejum ajuda-nos a manter nosso equilíbrio na vida. Quão facilmente começamos a permitir que coisas não essenciais adquiram precedência em nossas vidas. Quão depressa desejamos ardentemente coisas das quais não necessitamos até que sejamos por elas escravizados. Paulo escreveu: "Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas" (1 Coríntios 6.12). Nossos anseios e desejos humanos são como um rio que tende a transbordar; o jejum ajuda a mantê-lo no seu devido leito. "Esmurro o meu corpo, e o reduzo à escravidão", disse Paulo (1 Coríntios 9.27). Semelhantemente, escreveu Davi: "Eu afligia a minha alma com jejum" (Salmo 35.13). Isso é disciplina, e a disciplina traz liberdade. Inúmeras pessoas têm escrito sobre os muitos outros valores do jejum tais como aumento de eficácia na oração intercessora, orientação na tomada de decisões, maior concentração, livramento dos que se encontram em escravidão, bem-estar físico, revelações e assim por diante. E tudo isto acontece mesmo porque Deus abençoa os que o buscam...

 A Prática do Jejum

Como acontece com todas as Disciplinas, deve-se observar certa progressão; é prudente aprender a andar bem, antes de tentarmos correr. Comece com um jejum parcial de vinte e quatro horas de duração; muitos têm achado que o melhor período é de almoço a almoço. Isto significa que você não tomaria duas refeições. Hidrate-se com Sucos de frutas frescas  e água. Mantenha-se em atitude interior de adoração. Exteriormente você estará executando os seus deveres regulares do dia, mas interiormente você estará em oração e adoração, cântico e louvor.

Provavelmente você sentirá algumas dores de fome ou desconforto antes de terminar o tempo. Não se trata de fome verdadeira; seu estômago tem sido treinado durante anos de condicionamento a dar sinais de fome em determinadas horas. Em vários aspectos, seu estômago é como uma criança mimada, e as crianças mimadas não precisam de indulgência, precisam de disciplina.

Martinho Lutero disse: "... a carne estava habituada a resmungar horrivelmente." Você não deve ceder a este resmungo. Ignore os sinais ou diga mesmo ao seu "filho mimado" que se acalme e em breve tempo as dores da fome terão passado. Se não, tome um copo de água e o estômago ficará satisfeito. Você tem que ser o senhor de seu estômago, e não seu escravo. Se os deveres de família o permitirem, devote à meditação e oração o tempo que você normalmente tomaria em alimentar-se. Quebre seu jejum com uma leve refeição de frutas e vegetais frescos e uma boa dose de regozijo íntimo.

Tente este método uma vez por semana durante algumas semanas e você estará preparado para tentar um jejum total de 36 horas. Desnecessário é dizer que você deveria seguir o conselho de Jesus em refrear-se de chamar a atenção para o que você está fazendo. Os únicos a saber que você jejua são os que devem sabê-lo. Se você chama a atenção para seu jejum, as pessoas ficarão impressionadas e, como disse Jesus, essa será sua recompensa. Você, porém, jejua por galardões muito maiores e grandiosos.

 Algumas atenções...Deve ser óbvio a todos, que algumas pessoas há que, por motivos físicos, não devem jejuar. Os diabéticos, as mulheres grávidas e os que têm problemas cardíacos não devem jejuar. Antes de começar um jejum prolongado, alguns são tentados a comer uma boa dose de alimento com o intuito de formar "estoque". Isto é muitíssimo imprudente; com efeito, refeições ligeiramente mais leves do que o normal são melhores para um dia ou dois anteriores ao jejum. Embora os aspectos físicos do jejum nos deixem curiosos, jamais devemos esquecer-nos de que a principal obra do jejum bíblico está no reino espiritual. Ele é, também, "... justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (Romanos 14.17).

O jejum pode trazer avanços no reino espiritual que jamais poderiam ter acontecido de outra maneira. É um recurso da graça e bênção de Deus que não deve ser negligenciado por mais tempo.

Mensagem extraído do livro de Richard Foster intitulado "Celebração das Disciplinas".

 

Áudio: https://www.mixcloud.com/1ipisjp/serm%C3%A3o-de-12072015/


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