2025/08/30

“Por que Deus permite que coisas ruins aconteçam?”

Se Deus é onipotente (pode tudo), onisciente (sabe tudo) e benevolente (é bom), por que o mal existe?

Esse é o chamado problema do mal, que desafia tanto a lógica quanto a fé. A dor, a injustiça e o sofrimento parecem contradizer a ideia de um Deus amoroso e soberano.

A existência do mal é uma das questões mais antigas da humanidade, e para respondê-la com profundidade, precisamos olhar por três lentes: teológica, filosófica e espiritual. Vamos destrinchar isso com clareza e reverência.


Gottfried Leibniz: O melhor dos mundos possíveis

Leibniz, filósofo e matemático do século XVII, acreditava que: "Deus, sendo perfeito, escolheu criar o mundo que, entre todas as possibilidades, traria o maior bem possível com a menor quantidade de mal."

Leibniz propôs que, entre todas as possibilidades, Deus escolheu criar este mundo — mesmo com sofrimento — porque ele permite a manifestação do bem maior.

  • Para ele, o mal é instrumental: é permitido para que virtudes como coragem, compaixão e perdão possam existir.

  • Sem dor, não haveria superação. Sem injustiça, não haveria justiça restauradora.

Leibniz reconhece que o mal existe, mas argumenta que:

  • O mal pode ser necessário para que certos bens maiores existam (como coragem, perdão, compaixão).

  • Deus permite o mal não por descuido, mas porque ele é instrumental para um plano maior

  • O mundo sem nenhum mal poderia ser menos rico, menos livre ou menos capaz de gerar virtudes.

📖 Romanos 8:28 — "Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus…"

A tese de Leibniz nos desafia a ver o mundo com olhos de fé e razão. Mesmo com dor, injustiça e sofrimento, este mundo pode ser o palco onde o bem maior se revela — especialmente quando olhamos para a cruz.


Viktor Frankl: O sofrimento com propósito transforma

Viktor Frankl foi um psiquiatra austríaco e sobrevivente de quatro campos de concentração nazistas, incluindo Auschwitz. Em meio à fome, à perda da família e à brutalidade, ele desenvolveu a logoterapia, uma abordagem psicológica centrada na busca de sentido. O sofrimento com propósito transformação.

"Quem tem um porquê, enfrenta qualquer como." — Viktor Frankl

A visão de Viktor Frankl sobre o sofrimento é uma das mais profundas e transformadoras do século XX — e tem tudo a ver com fé, resiliência e propósito. Vamos explorar essa ideia com profundidade, conectando-a à espiritualidade cristã e à obra redentora de Cristo.

A essência da logoterapia: Frankl acreditava que o principal impulso humano não é o prazer (como dizia Freud) nem o poder (como dizia Adler), mas o sentido. Ele observou que:

  • Pessoas que encontravam propósito — mesmo em meio à dor — tinham mais chances de sobreviver emocionalmente.

  • O sofrimento, quando acolhido com significado, pode se tornar fonte de transformação e não de destruição.

  • O ser humano sempre tem liberdade interior: mesmo quando tudo é tirado, ainda pode escolher sua atitude diante da dor.

Conexão com a fé cristã: A visão de Frankl dialoga profundamente com a espiritualidade cristã:

  • Romanos 5:3-4 — "A tribulação produz perseverança; a perseverança, experiência; e a experiência, esperança."

  • Isaías 53:5 — "Pelas suas feridas fomos curados."

  • Jesus não apenas sofreu — Ele deu sentido ao sofrimento.

  • A cruz é o maior exemplo de dor com propósito: o sofrimento do inocente gerou salvação para os culpados

  • Cristo transforma a dor em redenção, o luto em missão, a ferida em testemunho.

Viktor Frankl nos ensina que o sofrimento pode ser um portal para o crescimento. A fé cristã nos mostra que esse portal tem nome: Jesus Cristo. Ele não apenas caminha conosco na dor — Ele a transforma. E quando encontramos propósito na cruz, descobrimos que até o vale mais escuro pode se tornar caminho de luz.


Agostinho de Hipona: O mal como ausência do bem

Agostinho, influenciado pela filosofia platônica e pela revelação cristã, concluiu que:

O mal não é uma substância, nem uma criação de Deus. O mal é a privação, a ausência, a corrupção do bem.

Em outras palavras, o mal não tem existência própria — ele é como a escuridão, que só existe onde a luz está ausente. Tudo o que Deus criou é bom. O mal surge quando há desvio, distorção ou ausência desse bem.

Tiago 1:17 — "Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes…"

Três níveis da concepção agostiniana do mal

1. Mal metafísico — O mal como não-ser

  • Tudo que existe foi criado por Deus e, portanto, é bom em sua essência.

  • O mal não é uma "coisa" criada, mas uma diminuição do ser, uma falha na plenitude do bem.

  • Exemplo: a cegueira não é uma substância, mas a ausência da visão.

Gênesis 1:31 — "E viu Deus tudo quanto havia feito, e eis que era muito bom."

2. Mal moral — O resultado do livre-arbítrio mal usado

  • Deus deu ao ser humano liberdade para escolher — e com isso, a possibilidade de errar.

  • O mal moral surge quando o homem voluntariamente se afasta do bem, ou seja, de Deus.

  • Agostinho afirma: "O mal é a vontade corrompida, que se afasta do bem supremo."

Deuteronômio 30:19 — "Escolhe, pois, a vida, para que vivas…"

3. Mal físico — Sofrimento, dor e morte

  • Embora não desejado por Deus, o mal físico é consequência do pecado original.

  • Ele pode ser usado por Deus como instrumento de correção, purificação e revelação.

  • Agostinho via o sofrimento como parte de um plano maior, onde até o mal pode ser redimido.

Romanos 8:18 — "As aflições do tempo presente não se comparam com a glória que em nós há de ser revelada."

Cristo: A resposta encarnada ao mal Agostinho não apenas refletiu sobre o mal — ele apontou para Cristo como a solução.

João 1:5 — "A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram."

  • Jesus é o bem supremo encarnado. Nele, o mal é vencido não pela força, mas pela luz

  • A cruz é o lugar onde o mal (ódio, injustiça, dor) foi absorvido e transformado em redenção.

  • Cristo não apenas restaura o bem — Ele é o bem que preenche o vazio do mal.

Isaías 53:5 — "Pelas suas feridas fomos curados."

Como o cristão deve se relacionar com o mal?

A teologia cristã oferece uma abordagem rica e multifacetada sobre como o cristão deve se relacionar com o mal. Vamos explorar isso em camadas:

1. Reconhecer o mal como realidade presente, mas não definitiva

  • O mal entrou no mundo por meio do pecado original (cf. Romanos 5:12), e desde então, faz parte da experiência humana.

  • A Bíblia não nega o mal — ela o encara de frente. Jó, os Salmos, os profetas e até Jesus choraram diante da dor e da injustiça.

  • O cristão não é chamado a ignorar o mal, mas a enfrentá-lo com esperança.

"No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo." — João 16:33

2. Ver o mal à luz da cruz

  • A cruz é o maior paradoxo: o mal (a crucificação do inocente) se tornou o meio da salvação.

  • Jesus não apenas sofreu — Ele venceu o mal com amor sacrificial.

  • O cristão é chamado a carregar sua cruz, não como punição, mas como caminho de redenção.

"Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo." — Colossenses 1:24

3. Resistir ao mal com fé e ação

  • O mal não deve ser aceito passivamente. Paulo exorta: "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" (Romanos 12:21).

  • Isso inclui:

    • Orar contra as forças espirituais do mal (cf. Efésios 6:12)

    • Agir com justiça e misericórdia no mundo

    • Ser luz em meio às trevas

4. Buscar sentido mesmo diante do sofrimento

  • Como Frankl ensinou, e como a teologia cristã confirma, o sofrimento pode ser transformado em missão.

  • A dor não é desejada por Deus, mas pode ser usada por Ele para moldar o caráter, despertar vocações e gerar compaixão.

"A tribulação produz perseverança; a perseverança, experiência; e a experiência, esperança." — Romanos 5:3-4

5. Esperar pela restauração final

  • A esperança cristã não está apenas em suportar o mal, mas em crer que ele será vencido definitivamente.

  • O Apocalipse promete um novo céu e nova terra, onde "não haverá mais morte, nem pranto, nem dor" (Apocalipse 21:4).

  • O cristão vive entre o "já" da vitória de Cristo e o "ainda não" da consumação final.

Em resumo:

O cristão deve se relacionar com o mal com:

  • Realismo: reconhecendo sua presença

  • Esperança: confiando na vitória de Cristo

  • Resiliência: transformando dor em missão

  • Ação: combatendo o mal com o bem

  • Fé escatológica: aguardando a restauração final

Conclusão: O mal não tem a última palavra. Agostinho nos ensina que o mal não é uma força rival de Deus — é um vazio que só Deus pode preencher. E Cristo é a plenitude que invade esse vazio. A resposta ao mal não está apenas na lógica — está na cruz.


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